Márcio Nattan
Neurologista, Responsável pelo Ambulatório de Cefaleia do HC USP São Paulo
Um dos elementos fundamentais no tratamento da enxaqueca é abortar a crise quando se instala. Existem cinco classes de medicamentos atualmente aprovados no Brasil para o tratamento da crise: analgésicos comuns, anti-inflamatórios não esteroidais, ergotamínicos, antagonistas dopaminérgicos e triptanos. Destes, somente os triptanos foram desenvolvidos com a enxaqueca como alvo. Apesar de úteis, tais medicações têm limitações em relação a eficácia, controle dos demais sintomas da crise, recidiva em 24 a 48 horas, efeitos colaterais e contraindicação em alguns grupos de pacientes (como os cardiopatas e hipertensos graves).
O papel do CGRP (Calcitonin Gene Related Pepitide) na fisiopatologia da enxaqueca é conhecido há quase cinco décadas, quando se demonstrou um expressivo aumento em seu nível sérico durante a crise, e em seguida a queda após tratamento efetivo com triptano. Com a consolidação de sua importância na fisiopatologia da enxaqueca, a molécula se tornou alvo no desenvolvimento de tratamentos específicos para a enxaqueca, tanto na crise quanto na prevenção. Na primeira década deste século, as primeiras moléculas antagonistas do CGRP chegaram a fases avançadas de estudos clínicos, com resultados de eficácia animadores, mas tiveram que ser abandonadas devido ao desenvolvimento de hepatotoxicidade. No interim, três anticorpos monoclonais anti-CGRP e um anti-receptor de CGRP completaram fase III e foram lançados com sucesso no mercado. Finalmente, o Rimegepant, uma nova molécula antagonista do CGRP completou estudo de fase III e foi aprovada pelo FDA americano em fevereiro de 2020.
Estudo em fase III comprovou eficácia de Rimegepant, comparado com placebo no tratamento da crises de enxaqueca1. Um total de 1186 pacientes foram randomizados para Rimegepant ou placebo, com avaliação de desfecho primário de ausência de dor após 2 horas da medicação atingido por 19,6% do grupo de medicamento, contra 12,0% do grupo placebo. O medicamento também demonstrou superioridade em relação ao desfecho secundário de melhora em 2 horas do sintoma mais desconfortável além da crise, com 37,6% contra 25,2% do placebo. Em relação à segurança, os efeitos colaterais mais comuns foram náusea (1,8% no grupo do Rimegepant contra 1,1% do grupo placebo) e infecção do trato urinário (1,5% e 1,1% respectivamente). Nenhum paciente apresentou aumento significativo (considerado como maior que 3 vezes o limite da normalidade) de enzimas hepáticas, mas aumentos discretos e transitórios foram observados em 2,4% dos pacientes no grupo do medicamento e 2,2% no grupo placebo. O estudo apresenta limitações importantes, como a comparação da droga com placebo mesmo na existência de tratamento específico. Além disso, a eficácia se mostra modesta ainda que significativa em relação ao placebo.
A liberação do Rimegepant, uma molécula antagonista do CGRP para o tratamento de crises de enxaqueca, é uma nova ferramenta para o crescente arsenal terapêutico no tratamento desta doença, especialmente se considerarmos os pacientes com contraindicação a outras classes atualmente disponíveis. Contudo, novos estudos serão necessários para se determinar melhor a magnitude do efeito clínico e o perfil de paciente com melhor chance de resposta ao medicamento.