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ENXAQUECA SEM AURA

PUBLICADO EM 18/10/2017

Jayme Antunes Maciel Júnior

Livre Docente de Neurologia, Professor Associado, Departamento de Neurologia

Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp, Campinas, SP.

 

INTRODUÇÃO

 

A enxaqueca sem aura – também conhecida por migrânea sem aura – é uma das dores de cabeça mais frequentes na humanidade com impacto negativo significativo, tanto pessoal, familiar, social, bem como no desempenho no trabalho e por extensão na economia. Do ponto de vista clínico, a enxaqueca se caracteriza por ser uma dor de cabeça de natureza latejante, geralmente iniciada em um lado da cabeça que pode alternar de lado, cuja intensidade da dor vai “em crescendo” por atingir o pico após 2 horas do início dos sintomas.

No curso dos eventos ela se associa a fotofobia (sensibilidade aumentada a luz), fonofobia (ao barulho) e osmofobia (aos cheiros: perfumes adocicados, cheiros de produtos químicos ou de limpeza). Outra característica da crise de enxaqueca é a intensidade da dor aumentar pela atividade física rotineira (subir escadas, agachar-levantar). O tempo de duração das crises de enxaqueca pode variar entre 4 horas e 72 horas (3 dias). O intervalo entre as crises pode ser variável, embora possa haver acentuação no período que antecede o início do fluxo menstrual. Mais, raramente podem existir crises de enxaqueca que aconteçam preferencialmente no período menstrual.

Geralmente as crises de migranea sem aura acontecem segundo um cronograma:

  1. 1.  Fatores desencadeantes:
  2. 2.  Fatores de melhora:
  3. 3.  Fatores de piora:

Existem vários desencadeantes conhecidos para provocar a crise de migranea sem aura:

 

Fatores desencadeantes:

  1. 1.  Fatores ligados ao ciclo circadiano (período de 24 horas com alternância de sono e vigília): privação, redução ou aumento da quantidade do sono noturno; falta de rotina nas horas de sono dormidas, mudanças de fuso horário nas viagens longas, mudanças na rotina no trabalho – alternar trabalho diurno e noturno);
  2. 2.  Jejum prolongado, pular refeições, padrões irregulares das refeições;
  3. 3.  Estresse físico e/ou emocional; ansiedade;
  4. 4.  Meteorologia: mudanças de estação, mudança da pressão atmosférica, frio ou calor;
  5. 5. Ambientais: fumaça, cheiros fortes, altitude, barulho e/ou luz intensa, cruzar com farol alto, exposição a luz solar, permanecer muito tempo diante do monitor do PC);
  6. 6.  Atividade física: exercício físico extenuante, desidratação;
  7. 7.  Hormonal: puberdade, menstruação, gravidez, amamentação e menopausa;
  8. 8.  Alimentos: queijos maturados, chocolate, embutidos (nitritos e nitratos, glutamato), cítricos, adoçantes;
  9. 9.  Álcool: vinho (principalmente tinto);
  10. 10.  Bebidas: cafeína ou privação de cafeína.

 

Para a determinação do fator desencadeante da enxaqueca sem aura deve ser observado o acontecido nas 48 horas que antecedem o início da sua crise, bem como se existe repetição. Essa observação é importante para que não se restrinja de forma indiscriminada qualquer possível fator desencadeante.

Os fatores desencadeantes são muito individuais, além do que muitos enxaquecosos não relatam nenhum fator desencadeante das crises. Por outro lado, não se deve exorcizar os alimentos de forma indiscriminada. Deve-se, isso sim, fazer um diário no sentido de identificar os possíveis fatores desencadeantes, lembrando que pode existir mais de um deles responsável pelas crises de enxaqueca.

 

Fatores de melhora: repouso e obscuridade são os fatores de melhora referidos habitualmente.

 

Fatores de piora: luz, barulho, cheiros, atividade física de rotina.

 

ENXAQUECA EM NÚMEROS

 

A enxaqueca sem aura é a segunda causa mais comum de dor de cabeça e constitui importante fator de impacto socioeconômico.

As repercussões individuais são muito significativas:

  1. 1. Nas crianças a repercussão é escolar predizendo uma escolaridade inferior na fase adulta e repercussão no mundo do trabalho;
  2. 2.  No adulto, não raro se associa ansiedade e/ou depressão, aumenta a possibilidade de divórcio (principalmente se for a mulher a implicada).

No período entre crises os pacientes relatam vários sintomas incomodativos (letargia, ansiedade, depressão, fadiga, vertigem postural, falta de concentração, visão borrada, náusea, mãos/pés frios). Como as crises de enxaqueca são de intensidade média a intensa, o que ocasiona maior absenteísmo no trabalho e pode ter implicações graves nas aspirações de carreira profissional.

 

DIAGNÓSTICO

 

Para o diagnóstico da enxaqueca sem aura recomenda-se usar os critérios de classificação da Sociedade internacional de cefaleia cuja última versão data de 2013. Esse cuidado é fundamental, pois a migranea é causa habitual de dor de cabeça e pode estar associada a outras formas de dor de cabeça. Assim, pode-se caracterizar a migranea sem aura como segue:

Critérios diagnósticos

  1. A.   Pelo menos 5 crises preenchendo os critérios de B a D
  2. B.   Cefaleia durando de 4 a 72 horas (sem tratamento ou com tratamento ineficaz)
  3. C.   A cefaleia preenche ao menos 2 das seguintes características:
  4.    1.   localização unilateral
  5.    2.   caráter pulsátil (latejante)
  6.    3.   intensidade moderada ou forte
  7.    4.   exacerbada por ou levando o indivíduo a evitar atividades físicas rotineiras (por exemplo: caminhar ou subir escada)
  8. D.   Durante a cefaleia, pelo menos 1 dos seguintes:
  9.    1.   náusea e/ou vômitos
  10.    2.   fotofobia e fonofobia
  11. E.   Não atribuída a outro transtorno, isto é, que estes sintomas não sejam secundários a outras doenças.

 

TRATAMENTOS – PREVENTIVO E ABORTIVO

 

Antes de se iniciar a escolha do melhor tratamento da enxaqueca é fundamental que o diagnóstico esteja correto. Neste aspecto, é recomendável o uso de diário da cefaleia. Muitas vezes são empregados questionários sobre depressão e ansiedade, bem como do sono. No exame físico do paciente deve-se procurar a presença de pontos hipersensíveis (pontos gatilho) na cabeça, face e pescoço, bem como medir a pressão arterial. Muitas vezes, a escolha do tratamento é indicada pelo exame físico.

Em regra geral, o tratamento da enxaqueca sem aura segue esse roteiro: A partir do diagnóstico da enxaqueca deve-se aquilatar o grau de invalidez ou desabilidade (pessoal, familiar, social, trabalho), promover exposição detalhada sobre a enxaqueca, pois a opção terapêutica sempre será individualizada e estratificada para cada paciente. A prescrição da medicação de escolha deve ser atingida após consulta médica. Automedicação e uso de analgésicos combinados com cafeína não são recomendados devido ao risco de abuso de uso bem com da transformação em enxaqueca crônica. Após essas ressalvas, podemos resumir as opções terapêuticas como segue:

  1. a)  Abortivo: deve-se dar preferência ao uso de anti-inflamatório. O uso de analgésicos simples deve ser feito de maneira isolada e pontual. Não é aconselhável o uso de analgésicos combinados com cafeína devido ao risco de abuso no seu uso e da transformação de uma crise isolada em migranea crônica. O uso de tramadol deve ser proibido, bem como de opioides. Injeção de lidocaína nos pontos gatilho são uma boa opção no tratamento da crise aguda. Para diminuir a possibilidade de cefaleia rebote (aquela que retorna em 24 horas) deve-se priorizar o uso de Triptanos associados a anti-inflamatórios.
  2. b) Profilático ou preventivo: Os medicamentos para prevenção da enxaqueca incluem drogas antiepilépticas e neuromoduladores, betabloqueadores, antidepressivos, anti-vertiginosos. Nos pacientes com resposta terapêutica modesta (redução drástica do número de crises) é aconselhável a associação com acupuntura. A indicação, no entanto, dependerá de cada caso.

 

CONCLUSÃO

 

A enxaqueca sem aura é uma dor de cabeça incomodativa e invalidante, mas a disciplina no uso de critérios diagnósticos precisos, a procura de doenças associadas e a escolha de tratamento individualizado permitem que o/a paciente tenha boa qualidade de vida.